sábado, 24 de março de 2012

Jorge Miguel


Na banda desenhada portuguesa predominam as obras experimentais e de autor. Ou seja, há muita BD alternativa, que não é, em boa verdade, alternativa a coisa nenhuma, pelo menos não em termos de BD nacional. Por outro lado, as tentativas de traçar rumos distintos têm sobretudo referências norte-americanas (com vários autores a trabalhar nesse mercado) e nipónicas. Isto não é uma crítica ou um lamento, até pela qualidade evidente nas várias áreas, apenas uma constatação. Mas neste contexto o muito interessante trabalho de Jorge Miguel, com as suas influências europeias e distintos mecanismos narrativos corre o sério risco de passar injustamente despercebido, por não se encaixar nas principais correntes atuais.

(texto publicado no JL-Papel) João Ramalho-Santos

10:47 Segunda, 29 de Agosto de 2011

Jorge Miguel já tinha surpreendido com Camões: De vós não conhecido nem sonhado, uma abordagem inteligente ao protagonista no seu tempo histórico. E O Fado Ilustrado (Plátano) é, num certo sentido, ainda mais interessante. Com referências à implantação da República, o livro fala um pouco da situação política (de D. Carlos à Carbonária ao Ultimato à Primeira Grande Guerra), com a capa a imitar um jornal da época. Mas há também muito Eça de Queirós. São vários temas cruzados, há constantes saltos temporais e não é fácil por vezes seguir os eventos, parecendo o livro parte de um todo maior. Paradoxalmente, o estilo narrativo e o tom gráfico realista com toques caricaturais são de absoluta clareza, sugerindo um estilo de BD pedagógica com uma longa história entre nós. Mas, se Jorge Miguel se preocupa em fornecer diferentes tipos de informação, esta não é uma obra clássica nesses moldes (onde as grandes referências serão José Garcês e José Ruy). Pelo contrário: é preciso saber (ou ir procurar) para seguir convenientemente O Fado Ilustrado. Por outro lado, e sem ceder ao realismo, surge por vezes uma componente humorística inesperada. É desse ponto de vista que o livro, tal como o seu antecessor, surpreende, fugindo a todos os cânones.

De resto todos os temas referidos funcionam como um vasto pano de fundo para o verdadeiro assunto: uma recriação ficcionada de como o pintor José Malhoa terá pintado o seu famoso quadro, O Fado. Qual a história por detrás da obra? Quem são o guitarrista e a mulher que o olha embevecida, como chegaram àquela pose? De que (sub)mundo lisboeta nasceram, e o que nos diz o quadro sobre o seu tempo? Numa altura de crise e potencial mudança, entre a intervenção e a indiferença, como era o país visto através das escolhas de um pintor? E, sujeito hoje ao olhar-opinião de Jorge Miguel (e de cada leitor), de que modo mudou, cem anos depois? O que é (são) O Fado? Intencional ou menos, a reflexão sobre representados e representação, pessoas e símbolo, é ainda mais interessante porque surge com naturalidade no fluir de uma história, não enquanto tratado ou manifesto.

Por entre as boas re-edições históricas, experimentações variadas, e emulações de "mangá" e "comics" que marcam a BD nacional tem de haver um lugar de maior destaque para Jorge Miguel, que não seja apenas uma espécie de limbo não catalogável. Esta é claramente uma voz inovadora em construção, que merece ser ouvida.

O Fado Ilustrado. Argumento e desenhos de Jorge Miguel. Plátano. 48 pp., 12 Euros.

quinta-feira, 22 de março de 2012

O Fado

12 capas com reinterpretações do quadro "O Fado"



12 CD com os grandes Fados e os seus intérpretes, desde as primeiras gravações até aos nossos dias. Capas desenhadas por alguns dos melhores ilustradores, reinterpretando "O Fado", o quadro centenário de José Malhoa. A partir de 23 de março, às sextas, com o JN ou com o DN.

Silêncio, que se vai lançar uma grande coleção.

O JN e o DN assinalam o centenário de "O Fado" de José Malhoa com uma coleção que ninguém vai querer perder. Agora que o Fado ganhou o estatuto de Património Imaterial Cultural da Humanidade, trazemos até si um registo único e completo com a história do fado, desde que há registos sonoros, interpretados por grandes fadistas.

Os primeiros 8 CD são um tributo a grandes fadistas que ajudaram a imortalizar o Fado, como Amália, Alfredo Marceneiro ou Tony de Matos. Os restantes 4 CD incluem fados tradicionais, como o menor, o corrido e o mouraria, cantados pelas grandes promessas da atualidade.

Coleção composta por 12 entregas, distribuídas às sextas, de 23 de março a 8 de junho de 2012, com o JN ou com o DN; 1.ª entrega euro1,99, restantes entregas euro3,99 cada. Preço total da coleção: euro45,88 + preço dos jornais.

12 CD COM OS GRANDES FADOS E OS SEUS INTÉRPRETES, DESDE AS PRIMEIRAS GRAVAÇÕES ATÉ AOS NOSSOS DIAS.

CAPAS DESENHADAS POR ALGUNS DOS MELHORES ILUSTRADORES, REINTERPRETANDO O "FADO", O QUADRO CENTENÁRIO DE JOSÉ MALHOA.

André Carrilho, Nuno Saraiva, Miguel Rocha, Antónia Trituré, Pedro Zamith, Vasco Gargalo, Afonso Ferreira, Jorge Mateus, Fernando Martins, Júlio Vanzeler, Tiago Albuquerque, João Moreno



quinta-feira, 8 de março de 2012

A. Tapadinhas


Acrílico sobre tela 100x120cm

Fado, Malhoa, e o que mais adiante se verá...

Estava a jantar com minha mulher,
algo que não faço tantas vezes como devia
num restaurante de que eu gosto muito, porque para além da excelente qualidade da comida,
o que por si só, já seria um bom motivo para o frequentar
também aprecio o bom gosto das telas expostas,
são todas minhas
quando o meu amigo Bernardo, dono do restaurante,
curiosamente, quando estive no Rio de Janeiro, fiz questão de passar um dia na “Ilha do Bernardo”, para lhe trazer uma lembrança da “sua” ilha
me pediu para atender um senhor, construtor civil, que queria fazer-me um pedido.
normalmente é para ver se eu concedo um desconto nalguma obra exposta
Acedi, sem grande esperança. Afinal, estava redondamente enganado com as suas intenções!
acontece aos melhores!
O senhor queria que eu lhe fizesse uma tela, grande,
grande – substantivo, não, grande – adjectivo
para colocar na adega da sua casa, que seria inaugurada dentro de alguns meses.
Quando comecei a dar a desculpa habitual para me esquivar a aceitar compromissos,
estilo: “Não tenho tempo! Estou muito ocupado"
o senhor não quis ouvir as minhas razões
era construtor civil, lembram-se?
e disse-me que até tinha ideia do que queria. Aí eu fiquei atento!
construtor civil com ideias, coisa estranha!
Queria que eu fizesse um quadro ao estilo de Malhoa,
José Malhoa, pintor português, naturalista, 1855-1933
com aquela conhecidíssima figura da sua obra “Festejando o S. Martinho”.
repetida em reproduções baratas, ad nauseum
Achei um bom desafio: não tinha muita paciência para pintar como Malhoa,
à data da sua morte o seu estilo já era contestado pelos mais novos
mas como também não tinha dinheiro, resolvi aceitar a encomenda.
fiz mal como se verá!
Para não fazer uma cópia do óbvio, resolvi criar uma composição com duas obras de Malhoa e seleccionar cartazes da época
para o meu ego não ficar muito ferido
para pregar nas paredes da tasca onde se iria passar a cena.
Triste!
Para dar algum realismo às paredes, adicionei areia à tinta,
as pintinhas, suponho que parecem aquelas coisas que as moscas deixam nas paredes
e o claro-escuro do interior, mais escuro ainda, como é costume para ouvir os acordes plangentes da guitarra e os sons maviosos do cantor de fado.
e ninguém notar se quisermos dormir uma soneca!
Quando a obra ficou pronta, combinei com o meu amigo Bernardo, colocá-la no restaurante e o senhor construtor passar por lá para a poder apreciar em todo o seu esplendor. Adorou-a! Mas
há sempre um mas
não lhe convinha fazer mais despesas, naquela altura!
a crise toca a todos, não é? Menos aos pintores, acho eu...
E assim fiquei com uma obra que está exposta no “Restaurante Napolitano” do meu amigo Bernardo. Acreditam que já foi mandada guardar por um senhor que teve de sair para os Açores e ainda não apareceu?
Até hoje!

A. Tapadinhas